quinta-feira, 9 de março de 2017

SÃO BORJA, pt I

SÃO BORJA, pt I
Como Descobrir Que Rogaram Uma Praga Forte Em Você

Situação: Trabalho.

Cenário: Aduana da Fronteira entre Brasil e Argentina em São Borja (parece uma rodoviária, tem um prédio central e ao lado duas partes cobertas, mas abertas, onde entram e saem os carros passando pela inspeção para entrar ou sair do Brasil/Argentina).

Perfil: Eu era supervisora de uma equipe de pesquisa para o Ministério do Turismo (sintam a pompa, porque daqui a pouco ela some).

Época: Verão de 2012.

Acontecimento: Estava eu e uma das minhas pesquisadoras reclamando do calor de 42°C lá na fronteira quando começou a chover e ficamos felizes com a possibilidade do tempo refrescar um pouco. Estávamos sentadas em um banco de madeira em frente a uma das cabines onde ficavam os policiais responsáveis pela inspeção na aduana. A área é coberta, mas aberta.

Eu estava de pernas cruzadas segurando várias folhas da pesquisa que eu estava corrigindo enquanto conversávamos.

Tão logo finalizávamos nossas reclamações (enquanto esturricávamos mesmo na sombra) começou a cair uns pingos e uma brisa bateu no nosso rosto. Achei que os céus haviam atendido nossos pedidos...
             
Eu
"Ah, é bom que refresca!"

Pesquisadora
"É! É bom mesmo, mas tá ficando forte, né?"

Eu
"Naaada! Ontem choveu assim e logo parou, fica indo e vindo, tá normal, só tá fazendo barulho porque tá chovendo granizo."

Sim, durante esse pequeno período de diálogo os pingos se tornaram pedrinhas de gelo. E além disso, queria ressaltar que a pesquisadora morava na região, mas era eu que estava achando que já conhecia tudo sobre o clima local baseado na única semana que eu havia passado ali até então. 

Relembrando da situação, acho que aqui que estava o erro.

...e em DOIS SEGUNDOS a chuva virou um super temporal e todos os são borjenses e argentinos, ligeiros e acostumados, correram em UM SEGUNDO para a parte coberta e quem ficou pra trás?

Resposta: Karen, a veloz - que todos os dias usou roupas verdes, azuis, rosas, vermelhas, mas neste dia usou branca. 

Contudo isso não foi o suficiente...

Eu pensei 
“Por que não cair aqui na aduana na frente dos policiais federais (que procurava manter uma boa relação e uma postura condizente com meu cargo), desse monte de turista e das minhas pesquisadoras que AINDA me respeitam? VOU CAIR.” 

Mas mais do que isso eu pensei 
“Mas por que cair normal?? VOU CAIR CINEMATOGRAFICAMENTE QUE NEM AQUELES DESENHOS RIDÍCULOS QUE PISAM NA BANANA (só que não tinha banana - então ficou mais ridículo ainda) E CAEM COM AS PERNAS PRA CIMA E BATEM AS COSTAS NO CHÃO!”

E assim o fiz.

...Foi quando todo o meu material começou a voar no melhor estilo “Twister” e eu, muito esperta como sou, resolvi levantar e ir atrás das coisas! 

Porque ver a Karen caindo todo mundo já viu...mas ninguém viu a Karen voando céu acima e eu não podia deixá-los passar vontade.

Não consegui resgatar quase nada. Toda a nossa produção estava encharcada e enlameada. Quando desisti de salvar o que havia voado: a merda do vento me levou (DE VERDADE) e eu demorei 10 minutos pra fazer um trajeto de 10 metros e voltei com lama até no ouvido! Sério, aquele vento veio do inferno, era muito forte, tipo vento do Alasca naqueles filmes de terror (na verdade eu nunca vi um filme de terror que se passe no Alasca, mas se tivesse imagino que uma da cenas seria assim).

Fui resgatada (sim, uma pesquisadora veio me tirar do meio da chuva porque eu não conseguia chegar no prédio sozinha). Suja, levemente dolorida (até aquele momento), com a blusa transparente, envergonhada, fingindo que não notava os olhares das pessoas secas e agora, passando frio. Uma das pesquisadoras me indicou ir na enfermaria porque logo depois a minha coluna travou de vez e eu estava corcunda. Mas não era mesmo o meu dia de sorte (sim, demorou pra minha ficha cair), o responsável da enfermaria da Aduana havia saído pouco antes de eu entrar no prédio e tive que me contentar com um "toma um banho longo bem quente que a dor passa" de uma pessoa que provavelmente nunca caiu de costas na quina de uma calçada no meio de um temporal.

...Ah, mas a coisa não acaba aí! Porque eu perdi a sola do meu tênis e como sempre, sou muito precavida e só havia levado UM PAR DE CHINELOS HAVAIANA BRANCO E AZUL além do tênis, agora sem par. A cidade era pequena, final de semana o comércio não abria, e por dois dias tive que trabalhar em um dos dias com um tênis descolado (literalmente, a sola descolou e eventualmente o tênis inclusive saiu do meu pé) e outro dia com chinelo.

E não...ainda não acaba aí! Dois anos depois retornei ao mesmo destino para o mesmo trabalho e uma das minhas pesquisadoras atuais (que no dia do acidente ainda não havia trabalhado comigo), durante o treinamento antes de iniciarmos a pesquisa, olhou para mim sorrindo e disse: "Eu lembro de você..."

Eu
"Sério? Eu acho que lembro também, mas acho que não trabalhamos juntas na outra vez..."

Pesquisadora atual
"Na verdade eu trabalhava no posto de informação da fronteira, mas você não é a menina que caiu e perdeu o tênis no temporal?"

Sim, era eu. Trabalhei lá duas vezes. Duas vezes sem dignidade.

E calma!!! Ainda não acaba aí!!!

A praga de São Borja continua...

Mas vou deixar o final desta saga para depois (eu sei que estou parecendo o João Kléber, mas a próxima história é igualmente longa e acho que é o caso de ter um espaço só para ela - então podem tomar uma água, apreciar a natureza e voltamos após o reclame!).

To be continued...

Escrito em janeiro de 2012

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