sexta-feira, 16 de junho de 2017

Medo de abraçar

Estava voltando para casa depois de um dia comum de trabalho, quando antes de antes de ontem, eu e minha grande mochila esbarramos em alguém.

...E quebramos um pouco nossa rotina.

A princípio eu nem notei quem era, mas eu senti o tranco e no automático pedi desculpas para quem estava à minha esquerda. Com o meu fone de ouvido, confesso que foi uma ação automática e não esperava nenhuma resposta além das variáveis de "tudo bem" ou "imagina" ou mesmo um xingamento, mas quando olhei vi que o menino estava falando algo.

Era um rapaz não muito mais velho do que eu, talvez até mais novo. Estava com uma roupa bem desgastada, mas de certa forma "estiloso" (isto me faz lembrar da minha irmã falando que o estilo está muito mais na presença da pessoa do que no que ela veste). 

Como pela minha rápida leitura labial aquilo parecia uma frase maior do que qualquer uma das frases que eu esperava, eu tirei o fone.

"Desculpa, eu não escutei." Eu disse.

"Eu tinha perguntado se você não ia me ignorar."

Ele disse isso com uma mistura de "cara de nada" com "sorrisinho de educação", aquele sorriso que os olhos não se mexem, só as bochechas que se levantam levemente. A pergunta me pareceu tão estranha que eu continuei com a mesma cara em silêncio, o que fez parecer que na verdade eu estava ignorando. Quando caiu a minha ficha sobre isso eu respondi:

"Desculpa, eu não entendi. Te machuquei? Você precisa de alguma coisa?"

Aí quem ficou em silêncio foi ele, mas a cara dele não estava a mesma. Agora ele também sorria com os olhos e arrisco dizer, com o coração.

"De mais pessoas como você."

Agora o silêncio veio de ambas as partes.

Foi uma boa resposta que ele deu, não foi? Eu achei.

Normalmente eu demoro para entender frases pouco contextualizadas, e por isso mesmo, por um segundo eu achei que não tinha entendido direito.

"Oi?"

"Eu preciso de mais pessoas como você." Ele repetiu.

Não sei quem lacrimejou primeiro, eu ou ele.

Eu nem sabia direito porque estava lacrimejando e como aquilo me afetou tão rápido. Mas de repente o contexto parecia óbvio.

"Ninguém nota a gente, muito menos liga se a gente precisa de algo. Foi legal."

Eu sorria demonstrando empatia, mas continuava quieta porque eu não sabia o que dizer.

"E pensar que eu tava sendo sarcástico contigo e você nem notou. É que sem amor o coração vira pedra e a gente começa a ficar meio assim. Aí um pouquinho de amor que você deu e já to todo sensível (ele ainda estava lacrimejando). Foda o ser humano, né?"

Ele tentou me abraçar e ele mesmo se embananou e se reprimiu... "Tanto tempo que ninguém nem me nota que acho que até esqueci como faz isso."

Eu continuei imóvel pelos 2 segundos que tudo isso aconteceu.

Tão logo ele seguiu o caminho sorrindo e dando tchau, fiquei com isso na cabeça: se devia tê-lo abraçado bem forte de verdade. O pensamento foi evoluindo e me perguntei quanto tempo devia fazer que ele não recebia um abraço. Pensei em como eu gostava de dar e receber um abraço e que é uma das coisas que faço automaticamente quando estou feliz! E ele parecia feliz! Teria sido bacana!

Como é ruim ter medo de abraçar, não é?
Eu não me acostumei com isso, eu sempre fico triste quando penso que a nossa condição social às vezes determina até quanto amor a gente recebe. Espero que ele logo tenha várias oportunidades de se lembrar como é abraçar alguém, inclusive eu mesma se eu não paralisar novamente.


Escrito em janeiro de 2017

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